Projetos

Comunidade Eliana Silva


Detalhes do Projeto:

Arquitetos:

Arquitetos Sem Fronteira Brasil - ASF/Brasil, Praxis/EAUFMG, Ana Carolina Loures Jesus, Bruno Giacomini Nogueira Coelho, Bruno Oliveira, Carina Guedes de Mendonça, Júnia Ferrari, Marcelo Lage, Marco Antônio Souza Borges Netto, Maria Cecília Ventania, Margarete Maria de Aráujo Silva, Monique Gomes, Poliana Matias Ambrosio, Tiago Castelo Branco Lourenço.

Colaboradores:

Ano do Projeto:

2012-2013

Local:

Belo Horizonte, MG, Brasil

Imagens:

Praxis/EAUFMG, Adriano Ventura, Ana Carolina Loures Jesus, Bruno Giacomini Nogueira Coelho, Marcílio Gazzinelli, Maurício do Valle, Tiago Castelo Branco Lourenço.

Outras Informações:

Área Construída - 24.000m²
Maquete - Carlos Roberto de Souza Soares, Diego Souza Fonseca, Warley Wilson da Silveira, Tiago Castelo Branco Lourenço.


 


 Memorial Descritivo 

Comunidade Eliana Silva

A Ocupação Eliana Silva é um assentamento urbano na região do Barreiro, também em Belo Horizonte, nas proximidades do município de Ibirité. Seu nome homenageia uma militante do MLB e liderança da Ocupação Corumbiara, que faleceu há alguns anos. Desde a década de 1990, o MLB realiza ocupações urbanas em vários lugares do Brasil (na Paraíba, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte), além da Ocupação Corumbiara em Belo Horizonte em 1996. A Ocupação Eliana Silva foi a retomada de suas ações políticas através de ocupações urbanas na capital de Minas Gerais.
A ocupação Eliana Silva ocorreu em dois momentos e em dois locais diferentes, ambos nas margens da avenida Perimetral do distrito industrial do Vale do Jatobá, no bairro Santa Rita. A primeira tentativa, num terreno público, envolveu 150 famílias, número que aumentou nos primeiros dias. Ela começou em 21 de abril de 2012, mas foi mitigada dia 11 de maio de 2012, com o argumento de que se tratava de uma Zona de Preservação Ambiental (ZPAM). A segunda tentativa, num terreno particular, vago havia décadas, envolveu cerca de 250 famílias. Ela se iniciou em 24 de agosto de 2012 e ainda está em curso. O terreno da segunda ocupação é classificado como ZE, zona também predominante no seu entorno imediato, ao lado de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).
A ocupação Eliana Silva está na área de contribuição dos córregos Mineirão e Olaria, que, por sua vez, são partes da sub-bacia do Alto do Arrudas e do Barreiro. O terreno é um divisor entre duas linhas de drenagem, que formam um pequeno curso d’água. Os córregos que delimitam a ocupação Eliana Silva estão entre as primeiras nascentes da bacia hidrográfica do ribeirão Arrudas, importante curso d’água que atravessa o território da capital de Minas Gerais.
A primeira ocupação Eliana Silva foi preparada por nove meses. O MLB constituiu núcleos no Barreiro e em alguns outros bairros, na perspectiva de uma reorganização de suas bases. Segundo o militante Leonardo Péricles, esse processo resultou em encontros estaduais do movimento e culminou no Terceiro Congresso Nacional do MLB, em outubro de 2011. A mobilização no Barreiro se dava em bairros e vilas próximos ao local onde seria a ocupação, como a Vila Santa Rita.
As pessoas interessadas começavam a participar de reuniões de preparação para a ocupação. Além disso, foi estruturada uma rede de apoio antes da ocupação propriamente dita. Ela funcionou durante todo o processo, incluindo a fase do despejo e a segunda ocupação.
Primeiros momentos
Na madrugada entre 20 e 21 de abril de 2012, o grupo de 150 famílias adentrou o primeiro dos terrenos da Ocupação Eliana Silva.
No dia seguinte, Frei Gilvander Luís Moreira da CPT entrou em contato com membros da ASF Brasil para conhecer a nova ocupação e ajudar na instalação da população, respeitando os parâmetros urbanísticos do município.
Em 30 de abril foi apresentado um esboço de plano urbano para a avaliação dos moradores e do movimento social. Participaram dessa reunião os coordenadores do assentamento provisório e representantes do MLB.
No dia 08 de maio foi realizada uma nova reunião com representantes dos moradores e membros do MLB, num local público do centro de Belo Horizonte, para a entrega do plano urbano finalizado. Por se tratar de uma ZPAM, uma característica central desse plano urbano era a tentativa de promover a convivência dos moradores com a água no meio urbano. Pretendíamos recuperar e consolidar as áreas de montante para jusante, obedecendo aos processos naturais. Estabeleceram-se, assim, alguns princípios norteadores de todo o plano:
•    Solução local e progressiva, proporcional à capacidade de ação construída coletivamente e à disponibilidade de recursos;
•    Ação imediata para a limpeza da área, com a retirada do lixo e solução dos efeitos colaterais (ratos e outras pragas), revegetação e manutenção das cabeceiras e margens;
•    Mapeamento e quantificação das fontes poluidoras e situações de risco para o planejamento participativo das intervenções;
•    Experimentação, aprimoramento e difusão dos processos de planejamento, decisão, gestão, gerenciamento e manutenção das intervenções mediante a formação e a capacitação profissional dos agentes envolvidos;
•    Descentralização dos processos de coleta, disposição e tratamento de resíduos, mediante soluções tecnológicas favoráveis à acomodação dos impactos negativos da urbanização (lixo, esgoto etc.) na própria área em que são gerados;
•    Soluções tecnológicas de baixo impacto ambiental para edificações, sistemas de abastecimento, estabilização de encostas, acessos e pavimentação.
A partir desses princípios, respeitando a relevância ambiental da área, o projeto definiu lotes de 125 m² com duas unidades habitacionais em cada um, totalizando 229 unidades. Além disso, foram definidas três áreas institucionais (de 1.351 m², 284 m² e 1.235 m²). Mais da metade dos 41.400 m² do terreno foram destinados à área de preservação.
Despejo
Na madrugada entre 10 e 11 de maio de 2012 começou uma grande movimentação entre os envolvidos na primeira ocupação Eliana Silva, depois da notícia de que no dia seguinte seria realizada a reintegração de posse do terreno.
Pela manhã, foram publicadas notas publicadas em redes sociais. Era evidente a preocupação de todos com a ameaça de despejo imediato e a violência que isso poderia gerar. As notas esclareciam que a ação de despejo coletivo havia sido autorizada pela Juíza de Direito da 6a Vara de Feitos da Fazenda Municipal da Comarca de Belo Horizonte em 26 de abril, mas que a assessoria jurídica da ocupação havia interposto um recurso de Embargo de Declaração para revogar a decisão, argumentando que os documentos do processo não comprovavam a propriedade do terreno pela prefeitura e que havia uma declaração de cartório informando a inexistência de averbação, matrícula e registro daquela área. As notas informavam também que, em 22 de abril, a prefeitura havia perdido a primeira liminar de despejo exatamente pela falta de prova documental da propriedade. Mas o principal, naquele momento, era o medo da truculência da polícia. A polícia cercou o terreno pela manhã, impedindo qualquer saída ou entrada de moradores.
Enquanto a polícia cercava o terreno, uma comissão de moradores e militantes do MLB foi à cidade de Betim, onde a presidenta Dilma inauguraria naquele mesmo dia um conjunto habitacional do PMCMV. A intenção era lhe entregar um ofício, denunciando o despejo, para que ela suspendesse reintegração de posse.
Ao meio dia, após entregar o ofício a presidenta Dilma, a comissão que voltava de Betim de carro já não conseguiu nem se aproximar da ocupação. Seguiram a pé e, embora a polícia não os deixasse entrar, viram que o despejo e o enfrentamento das famílias com a polícia estava acontecendo de fato. Como símbolo da retomada do terreno, os agentes do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) demoliam os barracos e a única construção de alvenaria, que abrigava a cozinha e o centro comunitários.
Durante todo o dia foi realizada a limpeza do terreno, mas a população se recusou a sair, argumentando que, se o terreno fosse mesmo público, poderiam ficar ali como qualquer cidadão. À noite, os moradores impedidos de entrar ficaram acampados numa rua próxima. Moradores das ocupações Camilo Torres e Irmã Dorothy, vizinhas da Eliana Silva I, apoiaram sua resistência e suas manifestações durante toda a madrugada.
Essa situação se manteve no dia seguinte, um sábado. Uma nova nota publicada nas redes sociais informou que tantos os advogados do MLB, quanto a Defensoria Pública e o Ministério Público se mobilizavam para interditar a reintegração de posse. No fim do dia, os militantes do MLB decidiram que seria melhor ceder, ao menos naquele momento. As famílias saíram do terreno e foram acampar numa escola sindical próxima.
Na noite seguinte houve um show de hip hop na regional Barreiro. Durante o evento, o rapper paulistano Emicida manifestou seu apoio à ocupação Eliana Silva numa canção e foi preso ao final do show por desacato à autoridade. Esse fato deu visibilidade nacional ao conflito.
Na segunda-feira seguinte, a população da Eliana Silva ocupou a porta do prédio da PBH na avenida Afonso Pena, no centro da cidade, para pressionar o poder municipal a uma negociação com as famílias e os movimentos sociais.
A ocupação na porta da prefeitura se manteve por três dias.
Organização de uma nova ocupação
Depois dos dias de acampamento na porta da prefeitura foi marcada uma assembléia na qual, contrariando as expectativas do MLB, as famílias despejadas compareceram em peso.
Seguiram-se inúmeras reuniões para a organização da nova ocupação, particularmente porque só se conversava ao vivo; ninguém mencionava o assunto ao telefone ou em redes sociais e correios eletrônicos, pela suspeita de que as lideranças estariam sendo monitoradas. Essas aguardavam um momento mais favorável para a nova ocupação, pois perceberam que, além do fato de se tratar de uma propriedade pública, contribuiu para a agilidade do despejo e a recusa de qualquer negociação, o receio do prefeito (candidato a reeleição) que a reintegração de posse do imóvel contaminasse o processo eleitoral na cidade marcado para outubro 2012.
Em meados de julho de 2012, o momento mais favorável para uma nova ocupação parecia ter chegado. O quadro político municipal era de ruptura entre os partidos que compunham a base governista, pois o PSB (Partido Socialista Brasileiro), ao qual então pertencia o prefeito Márcio Lacerda, rompera a aliança eleitoral e administrativa com o PT (Partido dos Trabalhadores). As lideranças viam essa situação com bons olhos; poderiam obter apoio, mesmo que informal, de vários políticos filiados ao PT. Além dessa conjuntura local, o momento da campanha eleitoral também era favorável, pois os candidatos evitariam conflitos políticos e o prefeito era candidato à reeleição.
Na última reunião de organização da nova ocupação foram discutidos aspectos jurídicos, para que não houvesse despejo imediato pela polícia militar, e foi definido o momento da entrada. Na manhã de 25 de agosto de 2012, um sábado, o MLB iniciou a nova Ocupação Eliana Silva.
No mesmo dia se instalou o assentamento provisório. Houve confronto com a polícia militar, mas ela não estava amparada legalmente para despejar a população. Alguns advogados foram presos no confronto, mas a população se manteve no terreno.
Uma das negociações importantes nesses primeiros momentos foi a manutenção das crianças na ocupação. O juizado de menores pretendia retirá-las, com ou sem as mães, por entender que o local não era adequado para menores. Para impedir isso, foi acordado com os movimentos sociais e os moradores que providenciassem o mais brevemente possível a construção de uma creche. O plano urbano para a nova ocupação estava esboçado, mas ainda era necessário fazer ajustes e, principalmente, discutir com os moradores. Mesmo assim, tivemos que determinar naquele momento onde seria a creche, para que a sua construção pudesse começar no dia seguinte. O local escolhido foi o centro geográfico do terreno, com uma grande árvore na proximidade.
Plano urbano e demarcação
No dia 27/08/2012 foi realizada uma reunião técnica com arquitetos, geógrafos e moradores para discussão do plano urbano da nova ocupação. Nesta reunião foram utilizados desenhos e uma maquete na escala 1/1000 para a discussão da proposta de parcelamento e lançamento viário . Essa proposta privilegiou vias principais de baixa declividade, prevendo o lançamento do esgoto sanitário na avenida Perimetral, onde existe um ramal interceptor de esgotos. Além disso, o sistema viário incluiu alamedas de 4 m de largura e maior declividade, atravessando as quadras. Os lotes ficariam dispostos ao longo dessas alamedas, paralelos às curvas de nível, gerando pouca movimentação de terra durante as construções.
Os lotes foram projetados com 126 m² (7 m x 18 m) para o compartilhamento por duas unidades habitacionais. Os moradores que participaram das reuniões de projeto manifestaram enfaticamente que todas as unidades deveriam ter acesso direto à via pública para evitar conflitos. Assim, projetamos alamedas em ambas às faces menores de cada lote. Na prática, isso significava que não seriam lotes coletivos, mas lotes individuais de 63 m² cada. Apenas formalmente seriam considerados coletivos, atendendo à exigência legal de área mínima de 125 m².
O esgotamento sanitário foi uma baliza na concepção do parcelamento, pois o terreno da ocupação está numa condição geológica que requer cuidado na manipulação e infiltração de águas. Ele é parte do complexo metassedimentar do Grupo Sabará, com solo de filito de colorações variadas. No Grupo Sabará predominam sedimentos de quartzo, em grãos muito finos e laminares, de modo que sua composição pode ser comparada a uma massa folhada. Essas características tornam o terreno muito vulnerável à desestabilização pelas águas, o que tende a ser agravado no caso de moradias autoconstruídas com poucos recursos.
Durante a implantação do plano verificou-se a dificuldade para ligar o esgoto das unidades ao interceptor de esgoto na avenida Perimetral. Poucos lotes tinham como aproveitar essa infraestrutura já instalada. Foram então estudadas alternativas, como o Tanque de Evapotranspiração (TEVAP) e o círculo de bananeiras. Também foi desenvolvido um plano geral dessas soluções a serem adotadas em toda a ocupação. Mas o plano sofreu alterações no decorrer de sua implantação.
O plano urbano da Eliana Silva II foi apresentado à coordenação em 29 de agosto de 2012. Imediatamente os moradores iniciaram a implantação para evitar o despejo. Os trabalhos ocorriam durante a semana para driblar a fiscalização da polícia e da vizinhança, porém, o final de semana era também o momento em que os moradores tinham condição de acompanhar e ajudar no processo de demarcação. Durante o mês de setembro, os trabalhos foram acelerados, pois havia o temor de que, com o fim do período eleitoral, pudesse ocorrer o despejo. Assim que a demarcação terminou, o MLB fez a distribuição dos lotes para que os moradores começassem a construir. Depois de três semanas, já havia 20 casas de alvenaria.
A construção de casas de alvenaria numa ocupação também favorece a estabilização de sua população, que tende a ser muito flutuante num assentamento provisório, dificultando a resistência à eventual reintegração de posse e gerando atritos internos.
No fim do período eleitoral, o despejo não ocorreu, mas a pressão para que os moradores erguessem casas de alvenaria se manteve. Em junho de 2013, quase todas as unidades habitacionais estavam construídas.

Imagens do Projeto: