Projetos

Comunidade Emanuel Guarani Kaiowá


Detalhes do Projeto:

Arquitetos:

Arquitetos Sem Fronteira Brasil - ASF/Brasil, Alessandra Guimarães, Ana Beatriz Corrêa, Ana Carolina Soares Loures de Jesus, André Inoue, André Luiz Goes e Silva, Bruno Giacomini Nogueira Coelho, Camila Bastos, Carina Guedes, David Narvaez Meireles, Érica Coelho Espeschit, Érico de Oliveira e Silva, Fernando Soares, Gilvander Moreira, Greg Andrade, Iara Almeida, Igor Guelfo, Ingrid Morais, Joviano Mayer, Julia Carvalho, Laís Grossi, Larissa Vilela, Maiara Luchi Camilotti, Marcelo Duarte, Marcelo Lage, Margarete Maria de Aráujo Silva, Maria Clara Cerqueira, Mariana Rodrigues Santos, Mateus Jacob, Núria Manresa, Paola Galvão, Rafael Bittencourt, Sarah Kubitschek, Silke Kapp, Thomaz Yuji Baba, Tiago Castelo Branco Lourenço

Colaboradores:

Ano do Projeto:

2013

Local:

Contagem, MG, Brasil

Imagens:

Ana Carolina Soares Loures de Jesus, Bruno Giacomini Nogueira Coelho, Marcílio Gazzinelli, Mateus Jacob e Tiago Castelo Branco Lourenço

Outras Informações:

Área Construída - 23.000 m²
Prêmio - Selecionado para exposição da 10ª Bienal de São Paulo
Maquete - Bruno Giacomini Nogueira Coelho, Diego Fonseca, Tiago Castelo Branco Lourenço, Warley Wilson da Silveira e moradores da Comunidade Emanuel Guarani Kaiowá


 


 Memorial Descritivo 

 Comunidade Emanuel Guarani Kaiowá

A ocupação Emanuel Guarani Kaiowá está localizada no bairro Ressaca, em Contagem, numa área próxima à fronteira com Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais. Ela foi organizada pelas Brigadas Populares e começou em 9 de março de 2013, num terreno particular vago há várias décadas. Trata-se de um fundo de vale cujas águas são afluentes do córrego Sarandi, contribuinte do ribeirão do Onça, que nasce em Contagem, atravessa a porção norte de Belo Horizonte na direção leste-oeste passando pela lagoa da Pampulha e deságua no Rio das Velhas.
Guarani Kaiowá é uma homenagem ao povo indígena homônimo, que vem enfrentado conflitos com o Estado e com empreiteiras envolvidas na implantação de usinas hidrelétricas nas suas reservas. Já o prenome Emanuel, outra forma de invocar Jesus Cristo, se deve à prevalência de cristãos evangélicos entre os moradores.
A ocupação envolveu 143 famílias que moravam de aluguel ou em casas de parentes e amigos numa favela próxima, a Vila Pérola. Algumas dessas famílias já haviam participado de uma tentativa anterior de ocupação do mesmo terreno no início de 2012, despejada logo no início. Segundo a moradora Jéssica Vidal, tudo começou com uma brincadeira de um grupo de adolescentes, que saiu gritando pela vila, chamando as pessoas para “invadir o brejo”. Muitos moradores de fato foram até lá e demarcaram pedaços de terra. Pouco depois apareceu um representante da Construtora Muschioni, proprietária do terreno, agredindo todo mundo, especialmente as mulheres.
Em vez de intimidar, a agressão do representante da construtora motivou a continuidade da ação. A história sempre contada pelos atuais moradores é que, naquele momento, as mulheres juraram que “aquele homem ia perder o terreno”. Durante a própria reintegração de posse, um policial se solidarizou com elas e recomendou deveriam procurar ajuda e se organizar melhor. Ele citou o caso da Ocupação Dandara e o trabalho das Brigadas.
A partir do contato com as Brigadas, reuniram-se alguns militantes e moradores da região interessados numa nova tentativa de ocupação. As Brigadas apresentaram sua organização política, seus objetivos e seu entendimento da ocupação urbana como luta política. Também esclareceram a necessidade de compromisso dos futuros moradores com a luta e com organização prévia da ação, além de insistirem que deveria ser realizada uma pesquisa sobre o terreno pretendido.
A organização para a segunda tentativa da ocupação Emanuel Guarani Kaiowá começou nos primeiros meses de 2012, dessa vez com o apoio das Brigadas. Alguns dos seus advogados entraram em contato com nossa equipe para averiguar a descrição de um registro de imóvel em Contagem. Fizemos uma rápida verificação do local pelo Google Earth, atestando a situação do terreno nos dez anos anteriores. Em novembro de 2012, os mesmos advogados me pediram para fazermos juntos uma visita ao local. O papel desempenhado por nossa equipe nessa fase inicial foi de avaliação urbanística e ambiental preliminar do terreno e de estimativa da quantidade de famílias que poderiam ser atendidas tendo em vista a legislação urbanística e ambiental.
A preparação da ocupação levou nove meses. Eram realizadas reuniões semanais para discutir as motivações políticas, as estratégias de resistência, a organização interna da futura comunidade e as formas de obter apoio externo e visibilidade. Durante esse período, os militantes das Brigadas também se encarregavam da formação das lideranças da futura ocupação.
Participamos de algumas dessas reuniões no início de fevereiro de 2013, para esclarecer questões urbanísticas, explicar termos da legislação etc. Elas eram realizadas no terraço de uma casa na Vila Pérola, onde uma das futuras lideranças morava com parentes.
A ocupação estava prevista para começar em 09 de março.
Formado o assentamento provisório, foi iniciada a elaboração do plano urbano para a ocupação de todo o terreno. Em 11 de março foi realizada uma assembléia para a apresentação da equipe técnica. Também foram indicados os moradores que participariam da discussão dos estudos.
Para a discussão e a construção da proposta foram utilizadas maquetes, desenhos e croquis. Os resultados das reuniões mais restritas eram apresentados aos moradores nas assembléias, que estavam sempre lotadas, mas tinham mais a função de legitimar politicamente as decisões do que alterá-las de fato. A real participação na elaboração desse plano ocorria nas reuniões menores, entre técnicos e representantes dos moradores.
O primeiro estudo parcelava o terreno em 106 lotes de 125 m² (10 m x 12,5 m), isto é, a área mínima exigida na legislação federal. Esses lotes individuais seriam agrupados em lotes coletivos para 15 a 22 famílias, a fim de atender a área mínima de 360 m² da legislação municipal. Cada lote coletivo seria atravessado por uma via de acesso aos lotes individuais, numa solução semelhante às utilizadas em vilas operárias no inicio do século XX. Depois de uma semana de trabalho, esse estudo foi apresentado em assembléia e aprovado de imediato. Elegeu-se até uma comissão responsável pela demarcação, que deveria começar nos dias seguintes.
Porém, decorrida uma semana sem a tentativa de reintegração de posse, outras pessoas que moravam de aluguel ou favor na região começaram a procurar a coordenação do movimento para participar da ação.
A apresentação do plano urbano também contribuiu para a construção de uma certeza em relação à permanência na área, aumentando ainda mais a pressão sobre a coordenação. Essa considerou que um maior número de famílias daria mais visibilidade à ação e favoreceria a negociação com o poder público.
Nesse contexto, foi necessário aumentar o número de lotes. Um novo estudo foi elaborado, chegando a 143 lotes de 94 m2 (7,5 m x 12,5 m). A disposição de lotes coletivos e individuais continuou semelhante à do plano anterior. Sua aprovação em assembleia se realizou em 30 de março, sábado de Aleluia. Os trabalhos de demarcação começaram então pela esquina das ruas Manoelita Chaves e Manoel Brandão, um ponto fácil de identificar em campo sem equipamentos sofisticados. Moradores, arquitetos e estudantes de arquitetura se revezaram nos trabalhos durante todo o mês de abril de 2013.
Não havia sido possível fazer um levantamento topográfico antes do início da ocupação, porque o terreno estava coberto por uma vegetação densa que impedia a visualização do seu relevo. Também não se podia circular na área com equipamentos de medição sem chamar a atenção. A topografia inicial foi desenhada, precariamente, a partir de informações disponíveis no Google Earth. Com isso foram necessários diversos ajustes do plano urbano durante a demarcação, proporcionando uma experiência diferente de projeto. Em alguns momentos já não se tratava de um projeto pensado a priori, mas de uma configuração de soluções buscadas por moradores e arquitetos à medida que eram necessárias.
O plano urbano da Ocupação Emanuel Guarani Kaiowá encontra-se todo implantado. Algumas áreas próximas à avenida sanitária ainda são objeto de discussão. A movimentação de terra para a implantação dessa obra da prefeitura alterou o relevo do entorno imediato, desviando pequenos cursos d’água no terreno ocupado e gerando áreas alagadas que antes não existiam. Além disso, moradores da região interessados em participar do processo têm pressionado para que a área de preservação também seja loteada, aumentando o número famílias atendidas. Em contrapartida, a grande maioria dos moradores já instalados discorda da ocupação dessa área, que, a seu ver, prejudicaria a todos pelo fato de desrespeitar a legislação ambiental (coisa que, diga-se de passagem, a obra da prefeitura já faz). Eles têm tentado construir um diálogo com o grupo externo.
Os arquitetos e estudantes são convidados a participar de assembléias para esclarecer esse tema. Como pessoas não diretamente envolvidas e ainda portadoras de um discurso técnico, parecem ter nestes momentos uma força de persuasão muito maior do que moradores e lideranças engajados em favor das áreas de preservação.
Em julho de 2013, o plano da Ocupação Emanuel Guarani Kaiowá foi classificado para participar da 10ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. A indicação foi importante para a atuação da arquitetura dentro da ocupação e a retomada de algumas discussões com a população já instalada. Para a apresentação no evento elaboramos desenhos, fotos aéreas, vídeos etc. Porém, mais importante foi a confecção de uma maquete que ficaria exposta numa sala dedicada à ocupação no Museu da Casa Brasileira na cidade de São Paulo. Ela foi elaborada em duas etapas: sistema viário e parcelamento foram feitos por parte da equipe dos arquitetos fora da ocupação, enquanto as casas foram feitas na ocupação pelos moradores e arquitetos. O momento de confecção das casas e sua instalação na maquete não apenas foi lúdico, mas também serviu para que os moradores discutissem questões como altimetria das casas, afastamento do vizinho, localização de comércio, áreas de lazer etc.

Imagens do Projeto: